segunda-feira, 4 de março de 2013

Manual sobre Problemas de Predação do Gado por Onças-Pintadas e Onças-Pardas em Fazendas de Gado

Manual sobre Problemas de Predação do Gado por Onças-Pintadas e Onças-Pardas em Fazendas de Gado
23-04-2003
O crescimento populacional humano em escala global em geral e na América Latina em particular, com sua crescente pressão sobre os recursos naturais, motivou o estabelecimento de áreas (ainda que pequenas) nas quais estamos tentando conservar a rica biodiversidade de nosso continente. A pequena fração de terras destinada à conservação dos ecossistemas naturais e a inadequação da defesa e da proteção dos mesmos obrigam os agricultores e pecuaristas, que contribuem para a necessária produção de alimentos, a converterem-se também em guardiões dos sistemas de vida que sustentam o planeta e suas espécies ameaçadas ou em perigo de extinção (Bowland et al. 1992).
A grande maioria dos casos de predação de animais domésticos por felinos selvagens refletem algum tipo de desequilíbrio no ecossistema local. Os felinos não têm como hábito natural atacar animais domésticos. Se o ambiente onde vivem lhes oferece áreas suficientemente grandes para sobreviver, com recursos alimentares suficientes e pouca ou nenhuma influência humana, eles tendem a evitar o homem e seus animais domésticos. Sendo assim, a ausência ou diminuição das presas naturais (por caça furtiva ou pela transmissão de doenças de animais domésticos) podem resultar no início dos ataques por grandes felinos aos animais domésticos em áreas limítrofes entre unidades de conservação e propriedades rurais.
Na América Latina, a predação de animais domésticos (bovinos, em particular) causada por grandes felinos – onça-pintada (Panthera onca) e onça-parda (Felis concolor) – tem como conseqüência uma intensa perseguição dos mesmos por parte dos fazendeiros. Este fator, juntamente com a perda de habitat, afeta mais diretamente a sua sobrevivência. A perseguição aos grandes felinos por seus ataques ao gado ou pelo perigo em potencial que representam às vidas humanas é o passo final no processo de seu desaparecimento fora das áreas protegidas, o qual começa com a perda e fragmentação do habitat (Nowell e Jackson, 1996). Esta perseguição acontece inclusive dentro de unidades de conservação, o que faz com que atualmente as onças ocorram em áreas bastante inacessíveis, onde existam dificuldades em serem caçadas. Destas espécies, a onça-pintada é a que tem um futuro mais ameaçado por ter uma distribuição mais restrita, tanto do ponto de vista geográfico quanto da diversidade de habitats utilizados, sendo a onça-parda uma espécie muito mais adaptável e de ampla distribuição. Até a década de setenta, as populações de onça-pintada se viram fortemente afetadas pelo comércio internacional de peles. Atualmente, a expansão humana, com suas conseqüentes pressões de utilização de terras, perda de habitats e caça oportunista têm limitado a onça-pintada a uma fração de sua distribuição original. A onça-pintada já se extinguiu nos Estados Unidos, El Salvador, Uruguai e grande parte do Panamá, Nicarágua e Argentina, ocupando em 1989 apenas 33% da sua área de distribuição original na América Central e 62% na América do Sul (Swank e Teer,1989). Parte do problema se deve a percepção de que a mera presença destes felinos implica necessariamente em ataques ao gado, tornando conveniente seu extermínio mesmo na ausência de casos de ataques na região (Hoogesteijn e Mondolfi, 1992).
Ainda que a expansão da pecuária na América Latina tenha sido um dos fatores causadores do desmatamento, a produção pecuária é tida como uma forma de utilização rentável e relativamente pouco destrutiva das savanas neotropicais com pastagens naturais sazonalmente alagadas (ex.: Pantanal), em comparação com a produção agrícola em grande escala (com cultivos como o arroz e a cana-de-açúcar, com utilização intensa de desmatamento, nivelamento, herbicidas, inseticidas e fertilizantes). Estas savanas estão amplamente distribuídas desde os Lhanos da Venezuela e da Colômbia, o Beno da Bolívia, o Pantanal Mato-grossense no Brasil e parte do Paraguai e as savanas florestais da Guiana. Nos Lhanos venezuelanos, as fazendas melhor manejadas do ponto de vista da pecuária também são as que melhor mantêm suas populações de animais silvestres, que são utilizadas como atrativos ecoturísticos ou através da exploração racional e sustentável, como acontece com a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) e o jacaré (Caiman crocodilus) (Hoogesteijn e Chapman, 1997). Em três casos analisados por estes autores na Venezuela, a fauna silvestre pode gerar de 25 a 52% da renda total e tem potencial para aumentar a renda total de 12 dólares/ha, quando explorada somente a pecuária, para 18 dólares/ha, quando explorada a pecuária e os recursos faunísticos. No entanto, com exceção do ecoturismo ou da caça esportiva, os incentivos econômicos para a conservação específica dos felinos são inexistentes, pois estes geralmente têm mais custos que benefícios (Nowell e Jackson, 1996).
Já em 1914, Roosevelt (1914) ressaltou que no Mato Grosso as fazendas com pouca fauna silvestre apresentavam níveis maiores de ataques de felinos ao gado, afirmação que oitenta anos mais tarde ainda necessita ser comprovada por dados (Polisar, 2000). Shaw (1977) aventou a hipótese de que o número de cabeças predadas no Arizona era inversamente proporcional ao tamanho do rebanho de veados na região. Almeida (1986) reportou que em uma fazenda do Mato Grosso, a predação por onça-pintada, anteriormente rara, aumentou para um terço da produção de bezerros (uns 400 bezerros por ano, além de vários ataques ao rebanho adulto) depois que os proprietários da fazenda realizaram uma grande matança de jacarés para a venda do couro.
O objetivo desta publicação é oferecer aos pecuaristas uma ferramenta que, em linguagem acessível, permita-lhes entender que o problema do ataque de felinos ao gado não constitui um fenômeno isolado, mas sim uma conseqüência de vários fatores que devem ser conhecidos, identificar o culpado pela predação, escolher as medidas que devem ser tomadas quanto ao manejo de seus rebanhos para diminuir a incidência de predação, encontrar soluções para o manejo de felinos-problema e, assim, permitir uma melhor coexistência dos felinos e da fauna que com eles convivem nas fazendas de gado da América Latina.
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Rafael HoogesteijnEnvie um email!
Veterinário - WCS

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