Manual sobre Problemas de Predação do Gado por Onças-Pintadas e Onças-Pardas em Fazendas de Gado
23-04-2003
O crescimento populacional humano em escala global em geral e na
América Latina em particular, com sua crescente pressão sobre os
recursos naturais, motivou o estabelecimento de áreas (ainda que
pequenas) nas quais estamos tentando conservar a rica biodiversidade de
nosso continente. A pequena fração de terras destinada à conservação dos
ecossistemas naturais e a inadequação da defesa e da proteção dos
mesmos obrigam os agricultores e pecuaristas, que contribuem para a
necessária produção de alimentos, a converterem-se também em guardiões
dos sistemas de vida que sustentam o planeta e suas espécies ameaçadas
ou em perigo de extinção (Bowland et al. 1992).
A grande maioria dos casos de predação de animais
domésticos por felinos selvagens refletem algum tipo de desequilíbrio no
ecossistema local. Os felinos não têm como hábito natural atacar
animais domésticos. Se o ambiente onde vivem lhes oferece áreas
suficientemente grandes para sobreviver, com recursos alimentares
suficientes e pouca ou nenhuma influência humana, eles tendem a evitar o
homem e seus animais domésticos. Sendo assim, a ausência ou diminuição
das presas naturais (por caça furtiva ou pela transmissão de doenças de
animais domésticos) podem resultar no início dos ataques por grandes
felinos aos animais domésticos em áreas limítrofes entre unidades de
conservação e propriedades rurais.
Na América Latina, a predação de animais domésticos
(bovinos, em particular) causada por grandes felinos – onça-pintada
(Panthera onca) e onça-parda (Felis concolor) – tem como conseqüência
uma intensa perseguição dos mesmos por parte dos fazendeiros. Este
fator, juntamente com a perda de habitat, afeta mais diretamente a sua
sobrevivência. A perseguição aos grandes felinos por seus ataques ao
gado ou pelo perigo em potencial que representam às vidas humanas é o
passo final no processo de seu desaparecimento fora das áreas
protegidas, o qual começa com a perda e fragmentação do habitat (Nowell e
Jackson, 1996). Esta perseguição acontece inclusive dentro de unidades
de conservação, o que faz com que atualmente as onças ocorram em áreas
bastante inacessíveis, onde existam dificuldades em serem caçadas.
Destas espécies, a onça-pintada é a que tem um futuro mais ameaçado por
ter uma distribuição mais restrita, tanto do ponto de vista geográfico
quanto da diversidade de habitats utilizados, sendo a onça-parda uma
espécie muito mais adaptável e de ampla distribuição. Até a década de
setenta, as populações de onça-pintada se viram fortemente afetadas pelo
comércio internacional de peles. Atualmente, a expansão humana, com
suas conseqüentes pressões de utilização de terras, perda de habitats e
caça oportunista têm limitado a onça-pintada a uma fração de sua
distribuição original. A onça-pintada já se extinguiu nos Estados
Unidos, El Salvador, Uruguai e grande parte do Panamá, Nicarágua e
Argentina, ocupando em 1989 apenas 33% da sua área de distribuição
original na América Central e 62% na América do Sul (Swank e Teer,1989).
Parte do problema se deve a percepção de que a mera presença destes
felinos implica necessariamente em ataques ao gado, tornando conveniente
seu extermínio mesmo na ausência de casos de ataques na região
(Hoogesteijn e Mondolfi, 1992).
Ainda que a expansão da pecuária na América Latina
tenha sido um dos fatores causadores do desmatamento, a produção
pecuária é tida como uma forma de utilização rentável e relativamente
pouco destrutiva das savanas neotropicais com pastagens naturais
sazonalmente alagadas (ex.: Pantanal), em comparação com a produção
agrícola em grande escala (com cultivos como o arroz e a cana-de-açúcar,
com utilização intensa de desmatamento, nivelamento, herbicidas,
inseticidas e fertilizantes). Estas savanas estão amplamente
distribuídas desde os Lhanos da Venezuela e da Colômbia, o Beno da
Bolívia, o Pantanal Mato-grossense no Brasil e parte do Paraguai e as
savanas florestais da Guiana. Nos Lhanos venezuelanos, as fazendas
melhor manejadas do ponto de vista da pecuária também são as que melhor
mantêm suas populações de animais silvestres, que são utilizadas como
atrativos ecoturísticos ou através da exploração racional e sustentável,
como acontece com a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) e o jacaré
(Caiman crocodilus) (Hoogesteijn e Chapman, 1997). Em três casos
analisados por estes autores na Venezuela, a fauna silvestre pode gerar
de 25 a 52% da renda total e tem potencial para aumentar a renda total
de 12 dólares/ha, quando explorada somente a pecuária, para 18
dólares/ha, quando explorada a pecuária e os recursos faunísticos. No
entanto, com exceção do ecoturismo ou da caça esportiva, os incentivos
econômicos para a conservação específica dos felinos são inexistentes,
pois estes geralmente têm mais custos que benefícios (Nowell e Jackson,
1996).
Já em 1914, Roosevelt (1914) ressaltou que no Mato
Grosso as fazendas com pouca fauna silvestre apresentavam níveis maiores
de ataques de felinos ao gado, afirmação que oitenta anos mais tarde
ainda necessita ser comprovada por dados (Polisar, 2000). Shaw (1977)
aventou a hipótese de que o número de cabeças predadas no Arizona era
inversamente proporcional ao tamanho do rebanho de veados na região.
Almeida (1986) reportou que em uma fazenda do Mato Grosso, a predação
por onça-pintada, anteriormente rara, aumentou para um terço da produção
de bezerros (uns 400 bezerros por ano, além de vários ataques ao
rebanho adulto) depois que os proprietários da fazenda realizaram uma
grande matança de jacarés para a venda do couro.
O objetivo desta publicação é oferecer aos
pecuaristas uma ferramenta que, em linguagem acessível, permita-lhes
entender que o problema do ataque de felinos ao gado não constitui um
fenômeno isolado, mas sim uma conseqüência de vários fatores que devem
ser conhecidos, identificar o culpado pela predação, escolher as medidas
que devem ser tomadas quanto ao manejo de seus rebanhos para diminuir a
incidência de predação, encontrar soluções para o manejo de
felinos-problema e, assim, permitir uma melhor coexistência dos felinos e
da fauna que com eles convivem nas fazendas de gado da América Latina.
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Rafael Hoogesteijn Veterinário - WCS |
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