quarta-feira, 14 de novembro de 2012
onça pintada
CUIABÁ - O Pantanal, um dos maiores celeiros de vida selvagem do Brasil, é também habitat do maior felino das Américas, a onça-pintada, animal que a maioria das pessoas vê somente no zoológico ou estampado em notas de R$ 50. Esses felinos aparecem ao longo da Rodovia Transpantaneira (MT-060), principalmente nos últimos 50 quilômetros até Porto Jofre, onde ocasionalmente surgem fazendas, pousadas ou o casebre de algum morador ermitão. A chance de estar cara a cara com o jaguar — como a onça-pintada é chamada pelos estrangeiros — é o que traz turistas de tão longe para este local tão remoto.
Os safáris para avistá-la no Pantanal Norte tornaram-se atividade econômica para donos de hotéis e pousadas da região. Alguns fazendeiros que antes se dedicavam à criação de gado adaptaram sua fazendas transformando-as em lugares de hospedagem onde a especialidade é levar o cliente onde estão as onças. Com a conscientização entre os moradores da importância da proteção deste animal — classificado como próximo do risco de extinção — o número desses felinos triplicou nos últimos anos. O período de seca na região, considerado a melhor época para o turismo, vai até o fim de novembro. A onça-pintada tem sido vista pela Transpantaneira até de dia. É só caminhar por um trecho da estrada para se constatar a frequência com que os felinos têm usado a via para seus passeios.
Onça-pintada às margens do rio
A maneira mais garantida de se avistar uma onça-pintada é fazendo um safári de barco pelo Rio Cuiabá, os afluentes Piquiri, Três Irmãos e Caxiri e os corixos Negro e Mosquito, entre outros. Os barcos partem de Porto Jofre, que fica no final da rodovia Transpantaneira, a cerca de 40 quilômetros da pousada Puma Lodge, uma das pioneiras na atividade. O despertador toca às 5h30m, quando ainda está escuro, e depois de um agradável trajeto pela estrada observando jacarés, capivaras e uma infinidade de pássaros à beira da rodovia, chegamos ao Rio Cuiabá.
No Pantanal, os pássaros se congregam em ninhais ou viveiros, normalmente em algum lugar recôndito de rio, baía ou corixo, onde se sentem seguros e abrigados de seus predadores naturais. Por vezes encontramos essas aglomerações ao lado de pontes na rodovia Transpantaneira e não é raro ver fileiras de veículos de turistas apreciando o espetáculo. Pode-se observar desde o imponente tuiuiú, a ave símbolo do Pantanal, até o minúsculo martim-pescador, que com seus mergulhos velozes e certeiros é o terror dos pequenos peixes que nadam próximos à superfície dos rios. Também é possível avistar pássaros pousados nos bancos de areia, nas praias e nas árvores ribeirinhas. Os gaviões carcará são comuns, sempre atentos à presença de recém-nascidos nos ninhais.
Os momentos que antecedem a partida do barco são cheios de expectativa. O motor de popa ronca sonoramente no silêncio da manhã enquanto deslizamos sobre as águas plácidas do Rio Cuiabá. Por volta das 7h, o barco já está singrando as águas barrentas e os passageiros mantêm os olhos atentos às margens de exuberante vegetação. Todos a bordo, a maioria turistas estrangeiros, estão ansiosos para ver o jaguar.
Nas duas margens, uma mata densa que lembra a Floresta Amazônica nos acompanha à medida que avançamos rio acima. A aparência selvagem do lugar é impressionante. Não há sinal de intervenção humana. Árvores centenárias são entremeadas por cipós, o que lhes dá um ar impenetrável. Grupos de jacarés, capivaras e ariranhas repousam imóveis nas estreitas faixas de areia aqui e ali.
Os olhos do piloteiro se alternam entre o rio e as suas margens buscando um movimento na mata que denuncie o animal. É preciso estar atento também a ocasionais troncos de árvore semissubmersos que possam colocar em risco a integridade do casco da embarcação.
Mas a sorte é fator decisivo nesses safáris. E, aparentemente, estava do meu lado: no meu primeiro dia de passeio de lancha, avistamos uma onça-pintada cinco minutos após a partida de Porto Jofre. Ela estava andando pelas margens do rio, meio camuflada pela vegetação, era uma onça jovem ainda.
Quando o piloteiro anunciou a presença do animal ali, não sei se foi o nervosismo, mas o fato é que demorei um pouco para conseguir perceber a minha tão almejada primeira onça. O animal fica tão bem camuflado no ambiente que demoramos um tempo para localizá-lo.
É de fato muito emocionante ver o maior felino das Américas livre em seu habitat natural, nas barrancas do Rio Cuiabá, em meio a aguapés do mais belo tom de verde. Bem, pensei eu comigo: “Se depois de cinco minutos já avistei a primeira onça, até o final do dia devo ver mais umas dez”.
A abundância de jaguares na região é notória, mas daí a se ver o felino com facilidade é outra história. Avistar as onças-pintadas requer paciência. Depois dos primeiros dias de safári no barco, percebi que isso significava jornadas extremamente cansativas subindo e descendo uma infinidade de rios e corixos, em alguns deles tendo que vencer um mar de aguapés que barravam a nossa passagem. E tudo isso sob o sol abrasador, típico da região nesta época do ano.
Normalmente os passeios duram o dia inteiro e têm um trajeto predefinido. Às vezes passa-se o tempo todo no barco por rios e corixos para se avistar apenas uma onça meio escondida na vegetação. Com o avançar das horas, o frescor da manhã desaparece e os raios do sol surgem inclementes. A temperatura sobe vertiginosamente. Depois das 10h, o calor é sufocante e, ao meio-dia, passando dos 30°C, os respingos de água ocasionais são muito bem-vindos. Deve-se levar bastante água a bordo, além do lanche, providenciado pela pousada. Não há regra para saber qual a melhor hora do dia. O costume é sair bem cedo e no final do dia. Quase todas as onças que vi apareceram por volta do meio-dia, quando a temperatura é elevada e, em teoria, os animais estariam descansando sob a sombra das árvores.
Cilindro de bambu atrai felino
Marcos Rondon, da pousada Puma Lodge e um dos pioneiros a acreditar no potencial turístico da região, garante que usando um “esturrador “é possível atrair uma onça-pintada imitando os seus roncos. O instrumento, na realidade, é um cilindro de bambu com aberturas em lugares estratégicos. Marcos tem um faro todo especial quando o objetivo são as onças e no último dia ele foi o meu piloteiro no barco. Vimos três onças, todas no Rio Três Irmãos. A última foi uma onça macho que permitiu que a acompanhássemos em seu passeio pela margem do rio por 15 minutos. Nesse dia havia uma aglomeração de 15 a 20 barcos no local, todos levando turistas e procurando o melhor ângulo para observar o felino malhado que se escondia na penumbra da floresta ribeirinha.
Enquanto aguardávamos a onça se movimentar e sair da sombra, dava para ouvir a diversidade de idiomas usados pelos ocupantes dos barcos vizinhos. Estavam todos parados próximo ao barranco onde uma onça deitada observava impassível a movimentação das águas do rio. Até que o animal se dirigiu para a margem, onde uma família de capivaras tomava sol. Assim que elas perceberam a presença do predador entraram em desabalada carreira nas águas do rio. A onça meio frustrada e sonolenta resolveu tentar a sorte andando pela margem em meio aos aguapés — as plantas que florescem ali em abundância. Enquanto a onça subia o rio, os barcos a seguiam de longe em procissão. Ninguém queria perder a chance de observar o felino assim tão de perto.
O animal por vezes desaparecia na mata densa para depois surgir mais adiante. Logo percebemos que caçava. Andava silenciosamente, tateando o terreno com as patas e farejando arbustos e o solo. Depois, desapareceu por uns dez minutos e ficamos ali no calor do meio-dia aguardando. Enquanto tentávamos estabilizar o barco segurando nos galhos de uma árvore caída, a onça, como um raio, saltou do barranco em direção ao rio e voltou com um pequeno jacaré preso à mandíbula: o almoço estava garantido. O movimento foi tão rápido que não tive tempo sequer de levantar a câmera. Depois o silêncio se impôs ao redor e o felino foi devorar a sua presa em alguma parte mais escondida da floresta.
Marcos Rondon trouxe para a região os primeiros interessados em ver onças-pintadas em 1987, quando a área onde hoje fica a pousada ainda era floresta virgem. O acampamento era improvisado e os visitantes dormiam em redes montadas nas árvores. Ele conta sorrindo que nas primeiras vezes que guiou turistas, encontros com as onças à noite em pleno acampamento eram inevitáveis. Certa vez, acompanhava dois casais europeus e todos dormiam em redes com mosquiteiros. Por volta de meia-noite uma onça começou a roncar nas proximidades. O animal se recusava a partir e roncava a curtos intervalos, rondando o acampamento por mais de uma hora. Por vezes soltava sonoros rugidos que davam calafrios.
Passado algum tempo, preocupado com a insistência do animal em permanecer por ali, Marcos acendeu a lanterna para iluminar as redes onde dormiam seus hóspedes, certificando-se de que tudo continuava bem. Notou que uma rede estava vazia e começou a procurar o desaparecido com o facho da lanterna. Encontrou uma das mulheres empoleirada nos galhos altos da figueira sob a qual haviam montado as redes. Ao ouvir os roncos altos na escuridão, a turista se desesperou e buscou a segurança ilusória no alto da árvore. Àquela altura, depois de tanto alarido, a onça já tinha satisfeito a sua curiosidade e havia partido para outras paragens. O silêncio imperou mais uma vez. Marcos confessa que se preocupou naquela noite, mas hoje se diverte em contar essa história.
Economia e ecoturismo
Os fazendeiros no Pantanal que vivem do turismo vibram com o aumento da população de onças-pintadas. Turistas nas pousadas não faltam. Todos os dias chegam vans lotadas de gringos em roupas de safári vindos de Cuiabá. Na vertente oposta estão os fazendeiros que criam gado, que têm nas onças uma real ameaça aos rebanhos. A realidade é que a pecuária e os passeios para ver onças são conflitantes, e muitos donos de pousada que antes criavam gado deixaram o ramo para se dedicar aos safáris fotográficos.
No final da rodovia Transpantaneira, depois de 120 pontes de madeira, está o Hotel Porto Jofre, o mais antigo e bem estruturado da região, criado inicialmente como refúgio para pescadores. Com as restrições à pesca, o hotel se atualizou para atender também aos ecoturistas que chegam para ver animais selvagens. Geradores funcionam 24 horas por dia e um bom restaurante mantém os hóspedes entretidos nos intervalos entre os safáris. O hotel fica às margens do Rio Cuiabá, o maior celeiro de onças-pintadas do Pantanal.
SERVIÇO
ONDE FICAR
Puma Lodge: A pousada oferece vários pacotes de duas a seis noites, com diárias a partir de R$ 450. O valor inclui refeições, caminhadas, safári noturno e passeios de barco. Km 106 da Rodovia Transpantaneira. Tel. (65) 3631-4739. pumalodge.com
Jaguar Ecological Reserve: A diária com refeições sai a R$ 400 por casal. O aluguel do barco para até quatro pessoas custa R$ 700 por dia. Km 110 da Rodovia Transpantaneira. Tel. (65) 3646-9679. jaguarreserve.com
Hotel Porto Jofre: Um dos hotéis mais tradicionais da região, voltado inicialmente aos interessados em pescarias. A diária para casal sai por R$ 590 com refeições. O passeio de barco para até três pessoas custa R$ 550 por dia. Km 145 da Rodovia Transpantaneira. Tel. (65) 3637-1593. portojofre.com.br
QUANDO IR:
O melhor período do ano para visitar a região do Pantanal Norte é entre junho e novembro, enquanto o clima é predominantemente seco. Os meses mais quentes costumam ser setembro e outubro, com temperaturas de até 40°C. Janeiro e fevereiro são meses de chuvas intensas e a Transpantaneira pode ficar intransitável, mas é possível explorar a área de barco.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/boa-viagem/safari-pantaneiro-em-busca-da-onca-pintada-6433604#ixzz2CFnstVvB
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